O ALBATROZ ERRANTE
Durante as muitas versões que fiz dos primeiros versos de "Brisa marinha", de Mallarmé, vinha-me insistentemente a ideia de que os "oiseaux ivres" eram albatrozes, chocados pelo Albatroz de Baudelaire. Tentei até uma versão inserindo a espécie, mas não gostei do resultado. Muito ornitológico...
João Niehues, sem saber de nada disso, enviou-me outro desenho para "Brisa marinha", e é um albatroz de asas suspensas; o que vai ao encontro de outra inquietação de tradução, a da palavra "essor", o impulso de voo, com que me bati em outros poemas. O desenhista o chamou de "O albatroz errante", e não poderia haver título melhor.
A natureza é floresta de símbolos. E o homem passa por entre ela, que o olha familiarmente. Na véspera, eu havia decidido colocar esse verso de outro poema de Baudelaire -- "Correspondências" -- sobre a minha porta.
Entrado nos 40, e apesar dos desencantos de praxe, ainda gosto de apostar na amizade, nas "correspondências", e nos encontros a distância. E para ilustrar isso não coloco aqui nem "Brisa marinha" nem "O albatroz", mas "Salut", outro famoso soneto de Mallarmé, cuja tradução dedico ao meu amigo João Niehues Neto (o que não o dispensa do respectivo desenho! ;)
O albatroz errante, desenho de João Niehues. |
TINTIM
Nada,
esta espuma, puro verso
Que não
passa de uma taça;
Assim
longe se afoga a raça
De muita
sereia ao reverso.
Naveguemos,
ó meu diverso
Amigo,
eu na popa me faça,
Você
na dianteira que traça
Faustosa
o vagalhão adverso;
Bela
embriaguez que me veio
Sem fazer
temer seu mareio
Para
de pé bater tintim
Estrela,
arrecife, insulanos –
Por
não sei o que valha enfim
Nosso
branco anseio dos panos.
***
Salut
Rien,
cette écume, vierge vers
A ne désigner que la coupe ;
Telle loin se noie une troupe
De sirènes mainte à l'envers.
Nous naviguons, ô mes divers
Amis, moi déjà sur la poupe
Vous l'avant fastueux qui coupe
A ne désigner que la coupe ;
Telle loin se noie une troupe
De sirènes mainte à l'envers.
Nous naviguons, ô mes divers
Amis, moi déjà sur la poupe
Vous l'avant fastueux qui coupe
Le
flot de foudres et d'hivers ;
Une ivresse belle m'engage
Sans craindre même son tangage
De porter debout ce salut
Solitude, récif, étoile
A n'importe ce qui valut
Le blanc souci de notre toile.
Une ivresse belle m'engage
Sans craindre même son tangage
De porter debout ce salut
Solitude, récif, étoile
A n'importe ce qui valut
Le blanc souci de notre toile.
S. Mallarmé.
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