O GRANDE RECENSEAMENTO

Não seria possível
que se compadecesse do cavalo açoitado
o outro anjo Gabriel, de bastos
bigodes, quem anunciaria
a morte glabra de Deus;
não, não seria possível,
daí dizer-se: loucura.

Tampouco seria possível
o poema piedoso
sobre a morte dos mendigos
no poeta de Satã
com aquelas olheiras
de verde esperança absíntica.
Igualmente impossível
‒ daí pouco ou nada se dizer.

Esses dados relevantes,
fora o da morte de Pã
com um grito
quando um deus vira mito,
(embora agora
o mito vire Deus),
fazem Dele, o Precito,
mesmo fugindo do edito
de Augusto, para o Egito,
e assim da lâmina de Herodes,

o Cordeiro expiatório dos bodes,
o rei dos judeus que morreu
só por esta metáfora,
a qual porém não podia negar, de tão grudada à coisa,
(daí dizer-se: loucura)
tão grudada à coisa que esbarrava no silêncio
(pouco ou nada a responder-vos, ó Antipas, Caifás, Pilatos!)
aquele que teve de se deixar coroar com espinhos ‒
ele, o infinito e único algarismo:
            soma geral
            do campo “Natal”
            com “Paixão”, o campo último


do ficheiro-síntese.

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