Os gatos do cemitério


         Em memória de Tela.

I

Os choros, até mesmo o grito
Não alardeiam, no cemitério,
Os gatos. Não saltam jazigos

Perpétuos com o desespero.
O grande silêncio é cautério
E o ouvem eles, com esmero.


II

Sob as copas que minam luz
Descansa um gato  em um túmulo
Debruçado sobre uma cruz

Em relevo. Tudo é cúmulo
Nos olhos felinos sem fresta.
Na morte a vida é uma sesta.



III

Acorda outro gato lá em outro
Túmulo. Já se dilui a luz
Coada nos olhos... E senta

Aquém de uns ramos de plástico.
Lambe-se ao pé da cruz, ginástico.
Mais vida é a que na morte atenta.



IV

Foi mil novecentos e nove:
Encurva seu dorso uma gata
Na data tão gasta que não

Se sabe -- nascimento ou morte?
Parece que se move, a data
Na lápide e afaga a mão.


V

E um que parece doente,
Pretinho com um fio de baba,
Nesse contraste da saliva

Com seu luto,  do nosso rente,
Faz-nos afeitos a uma viva
Resignação do que se acaba.

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