PRECE PELAS CORUJAS DA PITUBA


Para Renato Suttana.


Na Pituba, à noite,

uma ou outra gargalhada percorre o céu sem nuvens.

O vulto branco parece correr atrás da piada

ou do agouro

que a maioria supõe vir de alguma televisão acesa,

algum filme trash,

onde improváveis corujas anunciam o clímax.

 

Mas são elas, são elas que sujam a noite

com seu branco e seu deboche

em que já não mora nenhum presságio.

Vão se empoleirar nos andaimes

que sobem como facas tortas

cravadas no dorso imóvel de velhas casas.

E tudo para promover os ratos a morcegos

− os muitos ratos da Pituba,

que a grande envergadura abraça, mas é pequena,

em sua gula branca.

 

Corujas, creiam, cortam a noite da Pituba.

São poucas, mas estridentes. E o canhão de luz do quartel,
 
se encontra uma,

fosforesce a gargalhada

que traz em si um pouco da dor desta cidade perdida.

Os grandes olhos da coruja passam indiferentes pelas fardas das sentinelas

e pelos decotes das mulheres da Avenida Manoel Dias.

Alguém sai à janela e já não olha o céu, convencido de que foi um filme.

Mas eu já não preciso olhar o céu para saber que foi uma delas

e como numa espécie de contágio

− aquele contágio que faz um riso nascer de outro, uma

gargalhada nascer de outra −,

muitas vezes também rio da noite sem buzinas,

da noite acesa, ninfômana, infestada

− a noite mentirosa da Pituba!

E foi sorrindo que lhes fiz uma prece,

às corujas de que pago alacridade com insônia,
 
derrisão com insônia,

insônia com insônia...
 
A prece que lhes deixo agora:
 

Deus meu, protege as corujas,

as corujas da Pituba!

Tão brancas, à beira-mar,

só o pó as sobrepuja,

ao vento − o pó de cheirar,

do branco que a noite suja!

Protege, Deus meu, o voar,

das corujas da Pituba!...

 

...dos pit-bulls do lugar,

na construção que derruba,

donde espreitam, pra caçar,

copas cortadas em cuba

das poucas árvores, ah,

pelas quais as ditas-cujas

como operárias do ar,

dão hora extra nas gruas.

 

Protege, Deus meu, o gritar

que a bem do sono o perturba!

Entesoura o gargalhar

na noite enfim já sem turba...

E a fome rasante que há,

fazendo ágil que suba

a novo-rico morcego,

seu rato de massa puba!

 

Quando as buzinas são moucas

e os mochos tocam a tuba,

Deus proteja os penitentes

“leões alados sem juba”

− a rugir nas noites quentes

da Man’el Dias, Pituba; 

− a rosnar à beira-mar

da Mangabeiras-suruba;

 

e proteja de outros dentes

− ó rapina de amar! −

as meninas sem jujuba...

Não permita Deus que eu morra

sem que voe para sempre

na galhofa sem presságio

das corujas da Pituba!...

Se não sei do que gargalham,

 
peço a Deus já não descubra!

 

Comentários

  1. Sou fã da construção do seu texto. Não sei comentar, sei admirar. Seu texto é tão plástico, melancólico, reflexivo. Lindo.

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