A EVA DE RODIN
A Eva de Rodin, por João Niehues. |
franquear, do Inferno,
a Porta. Nua,
abraçava a si mesma, perna
esquerda levemente
flexionada.
Mais nada. Esta
Esta mulher
de pé, esta mulher
evanescente,
não acabo de fazer
e me deixa a mão dormente...
E nada. Que matéria
Que matéria
subtrai-se? Que volúpia
no ilíaco? E, na fronte,
que cabisbaixo horizonte
entretanto se subleva?
(Quisera saber. Tirar, de Adão
− há muito o findara−,
costela, resposta.)
§
Dava uma volta.
A mulher
− antecipava−
será sempre este mistério: Camille,
Francesca, Adèle... Mas, esta
me parece tão imbele,
e talvez que só engorde!
E nada.
§
Anna Abruzzezzi, a modelo,
queixava-se do frio. Resfriada,
foi por isso que, sem avisar,
espaçou as sessões? Por isso
− vento cortante −
um dia, simplesmente, nunca mais
– ave enxotada −
po(u)sou?
§
Ai de mim, ai de mim,
que cansei de teu exame!
Deste éden que dá cãibra,
dispensei a pobre Anne:
lembra
dela ou me destrói, à picareta...
Era a própria
obra. Não aceita:
... que certeza, que medo,
que displasia de seios,
nessa Eva, nessa Eva,
que não sei o que sugere,
nem fruto mau que digere,
inchaço em cada qual
desses pés – e que azia,
ou certa melancolia,
e de novo aqueles seios...
E, metida pelos meios,
uma inveja de Caim.
§
Sim
− avô, ou artista,
ou Deus,
então foi que entendeu:
minha Anna
minha Eva
estava grávida!
Abandonou aquela, aquele
− disse: “acaso feliz”.
Tentou mais uma
Eva, menor. Outra mais
(que, sobre um rochedo,
era a mesma, aliás).
Exausto,
arrumou finalmente três Adões
− vexados, mas desembruxados −
na Porta e livrou-se
(pensou)
daquele Inferno.
Poema publicado em 2014, extraído do livro "Entretiens avec Rodin", de Dujardin-Beaumetz. O desenho foi um presente do artista João Niehues em 28/12/2017.
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